sábado, 22 de março de 2014

Ela está no deserto.
Nos uivos agudos dos lobos solitários, nos cadáveres das presas desses lobos que agora tem olhos vidrados e vazios.
Ela está no amanhecer do deserto quando todos começam a se esconder da eferverscência do novo dia que está chegando.
Mas ela também está nas cidades, princialmente nas cidades. Nelas, ela compõe um paradoxo. Como pode haver tanta gente e tanto espaço pra ela?
Todos os dias ela levanta cedo das camas. Percorre os espaços das casas que um dia foram cheios de conversas, de crianças, de risos, mas que hoje só se enchem de memórias. Há outros espaços que nunca nem chegaram a ser cheios, que sempre foram quietos, frios. Ela as vezes se questiona qual destes espaços é pior para percorrer. Onde um dia foi cheio e hoje é vazio, ou onde nunca se conheceu o cheio? Mas ela evita divagar porque quanto mais o faz, mais ela mergulha em si mesma.
Mas não, ela não fica apenas em casa. Ela gosta de sair pelo mundo, de ver as pessoa, de estudá-las, analisá-las e principalmente testá-las. Afinal os seres são tão intrigantes, fascinantes.
Ela está no balanço do parque que não tem crianças. Se deixando balançar pelo vento suave e fresco. Assim como está na velha caixa de brinquedos empoeirando em baixo da cama.
Trabalha em pouco na fábrica apertando parafusos, colocando rótulos, acompanhando o andar das esteiras... Tudo tão mecanicamente que as vezes se sente máquina.
É chamada no escritório, senta-se na mesa defronte ao computador. Atende telefones, dá ordens, recebe ordens. De repente sente o nó na gravata mais apertado, mais pesado.
Vai para a escola e perde-se em tantos medos e inseguranças... Afinal ela também é adolescente.
Sente-se oprimida pelo mundo, muitas vezes até insignificante após ouvir sucessivas vezes que não sabe de nada pois é jovem demais.
Mas como pode ser jovem demais? Ela já tem rugas...
As suas rugas são as marcas que o tempo deixa todos os dias para que ela saiba que ele está passando. As rugas dizem a ela todos os dias "Tic-tac, tic-tac...". O problema é que o avançar da idade a deixou meio surda e agora ela não consegue mais ouvir suas rugas.
Então ela continua vivendo como está... A mesma vida monótona... Casa, trabalho, filhos...
Já que ela não ouve o "Tic-tac, tic-tac...", acredita que amanhã pode fazer uma mudança, amanhã pode arriscar, amanhã pode fazer novos planos... Amanhã, amanhã...
Amanhã ela vai visitar os mais velhos, os que já tem as mão trêmulas, o olhar cansado, o passo arrastado...
Ela escolhe se instalar no olhar deles e juntos eles se fixam no horizonte distante , viajando no tempo para a época do balanço, da fábrica, dos filhos, para o futuro que é apenas uma tela em branco.
As vezes ela cansa das cidades porque a maioria dos seus conhecidos vivem ciclos repetitivos.
Nesses momentos ela volta ao deserto, outras vezes procura lugares novos... Viaja para o alto de uma montanha, onde se sente grande porque quando olha para baixo se vê em muitos lugares.
Outras vezes ela escolhe deitar na terra plana e arrasada que um dia foi uma floresta e que recentemente foi desmatada. Ela gosta de estar em lugares assim... É tudo tão quieto, apenas silêncio... Então ela deixa sua imaginação fluir tão forte que ela quase pode ouvir o som dos pássaros, das folhas dançando com o vento, das gotas da chuva pingando aos poucos das árvores para o chão... Um dia toda esta orquestra esteve ali...
Ela não só muda de lugares como também muda de rostos, de corpos, de formas, de gostos, de dores e de amores.
Mas quem é ela enfim?
Finalmente te digo que ela é aquela que já esteve, está e estará por diversas vezes comigo, contigo, com todos.
Ela...
Ela é a solidão...